4.6.06

Banzo


Parece que quando você passa muito tempo fora, o familiar se torna estranho. Olho pra Recife e não me reconheço, e isso me deixa infeliz. Os lugares que frequentava não existem mais, ou já não prestam; e isso vale do supermercado ao barzinho. Tudo é uma experiência meio nova, embora nem sempre ruim, devo ressaltar. A cidade me invade pelos cinco sentidos. O ar de Recife é mais fino, a claridade dói na vista, o céu é quase branco, lavado. O cheiro de mangue, de jambo, dos jasmins de Olinda chega em mim fisicamente, quase como uma pancada. Aqui sinto a seda prateada dos cabelos da minha avó que não me reconhece mais, o cetim da pele de Luiza que está me estranhando menos, e a maciez de outros braços e abraços que me apertam com gosto. Aqui como o pudim de Julia, o risoto de Dadá, a tapioca da Sé, e engulo a saudade. Ouço o sotaque cantado dos meus conterrâneos, que me soa mais alto, mais aberto, mais luminoso que nunca, e as risadas dos meus amigos tilintam como sinos. Felicidade agridoce, essa, de passar dez dias como um relâmpago num lugar onde não tenho mais lugar, mas que é meu lar eternamente.

Publicado originalmente no Sítio de Maricota, em 17 de novembro de 2005.

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