19.11.06

No ônibus

Costumo ser mais ou menos calma, e respeitar todo tipo de crença. Mas tenho horror de crente pentecostal, justamente porque eles não respeitam as crenças dos outros. Isso posto, corta pra cena em questão: num domingo à tarde, lá estava eu indo como de praxe pra Olinda, quando subiu a mulher no ônibus. Devia ter seus sessenta anos, cabelo preso num coque, Bíblia meio ensebada debaixo do braço, provavelmente indo pro culto. Dois minutos depois começou a cantar, numa voz fininha que parecia uma muriçoca, os hinos lá da igreja dela. Um, dois, dez. Até que uma hora eu não aguentei e comecei a cantar alto, lá do fundo do ônibus: "elo ya, elo ya ô, elo ya, obá xirê, obá xirê, obá, elo ya ô"...Cantei pra Xangô, pra Oxum, pra Iansã, pra tudo que é santo cuja saudação aprendi no afoxé, que eu não sou nada na vida, sou uma casca agnóstica que não consegue acreditar em nada, mas odeia os sepulcros caiados, os fariseus que se acham melhores que os outros.
A dona arregalou os olhos e tentou cantar mais alto, mas Deus quis que aquele ônibus estivesse justamente indo pra Olinda. Logo um rastafari começou a batucar mais adiante, uma doidinha inventou de rir e fazer coro, e de repente o ônibus parecia um terreiro festivo de candomblé. Ela desceu meio murcha, dois pontos depois. E eu juro que não me arrependi até hoje.

Publicado originalmente no Sítio de Maricota, em 31 de julho de 2006. 

Um comentário:

Pedro Cezar disse...

Nana

Passei por aqui. Adorei esse post.

bj

Pepê