Colheita do Sítio de Maricota
Aqui eu reúno o que de melhor brotou no meu Sítio: meus posts preferidos.
1.9.10
Show na fila
Mais uma de ônibus
Publicado originalmente no Sitio de Maricota, em 08 de agosto de 2007.
11.5.07
Das dádivas de ensinar
Lecionar é legal, tenho conseguido ter prazer em estar em sala de aula, trocar com os alunos, rir com eles: mesmo às vezes me estressando com a barulheira ou dispersão, de forma geral tenho feito esse trabalho de forma tranquila e, espero, gradativamente melhor. Depende do dia, depende da turma, depende do assunto.Mas só este semestre comecei a orientar. São seis projetos, alguns individuais, outros coletivos. Não pagam muito bem, comparando à mão de obra que dá. Mas é uma experiência que não tem preço!A analogia mais óbvia que tenho a fazer é a de que sou a parteira desses projetos por vir. O trabalho é preparado por eles, mas a mim cabe ajudar no processo, e sempre da forma perfeita - nem ativa demais, que interfira no produto em si, tornando-o meu ao botá-los completamente sob minhas asas, nem omissa demais, o que causaria a 'morte' do futuro rebento.
Essa forma perfeita diz respeito à necessidade de cada um desses estudantes 'grávidos' de informação: eu não posso nunca ser igual com todos eles, pois cada um precisa de mim de forma diferente. E é isso que me angustia e emociona. Acho que é um momento especial também para mim, esse momento de partejar idéias, respeitar ritmos, cortar excessos, preservar belezas, estimular produções, incentivar, vibrar junto, doar, receber.Mais que nunca lembro de como me senti, quando era 'primípara' e Tina, minha orientadora da graduação, cometeu atos desatinados, 'anti-profissionais', chegando a me hospedar em casa durante uma semana para compensar um período de pouca produção. Mais que nunca lembro de como me senti quando Salett, minha orientadora de mestrado, soube me deixar livre para tomar minhas próprias decisões metodológicas, o que foi essencial na construção do meu trabalho. Mais que nunca penso em Afonso, meu orientador de doutorado, e na paciência que vem demonstrando, num momento em que me sinto confusa e perdida e pouco interessante/interessada.
Quem quiser ache piegas, mas acho que é um momento de dádiva. E quando eu participo dele, devolvo o que recebi, recebo o que me doam, e me integro num todo tão grande, meu Deus, que não posso deixar de agradecer.
Auauau
19.11.06
No ônibus
A dona arregalou os olhos e tentou cantar mais alto, mas Deus quis que aquele ônibus estivesse justamente indo pra Olinda. Logo um rastafari começou a batucar mais adiante, uma doidinha inventou de rir e fazer coro, e de repente o ônibus parecia um terreiro festivo de candomblé. Ela desceu meio murcha, dois pontos depois. E eu juro que não me arrependi até hoje.
Publicado originalmente no Sítio de Maricota, em 31 de julho de 2006.
Daiane
Deles todos, guardo a lembrança de Daiane, mestiça bonita de pele escura e cabelos claros, irmã ou prima da maioria dos mendiguinhos da região do Shopping Plaza. Tinha uns cinco ou seis anos nessa época, e um sorriso tímido devastador.
Uma vez, encontrei-a mancando. "Que foi isso, menina?" "Ah, tia, eu ia passando e o cachorro me mordeu, tive até febre", falou, mostrando o pé machucado. Me preocupei. "Você tem que ir no médico, menina, tem que tomar remédio, cadê sua mãe?", disse eu, enquanto ela sorria, conformada, sabendo que doença de pobre tem que se virar sozinha. Tentou me tranquilizar. "Nem doeu muito, tia. E eu tive sorte, sabe por que? Essa chinela é da minha mãe e é novinha, ainda bem que ele mordeu meu pé".
Fui embora quase chorando, pensando nessa menininha cujo pé valia menos que uma sandália havaiana: se danificasse o calçado, certamente ela apanharia da mãe, que só aparecia na rua de vez em quando, para verificar o apurado da filharada.
Pois ontem eu acho que vi Daiane. Ela sumiu desde esse tempo - também eu viajei, fui e voltei para esta casa onde vivo mais de uma vez. Nesses anos todos, acho que vi-a uma vez só de relance, os peitinhos de moça começando a despontar.
A Daiane que vi ontem tinha nos braços uma criancinha de olhos grandes, que nem ela. Ela não me conheceu, ou não me viu: estava ocupada, alimentando o bebê. E eu não tive coragem de chegar junto para ter certeza, porque uma parte irracional de mim deseja muito que Daiane não faça parte desses índices horrendos que relatam nossa miséria e que matam o melhor da nossa alma, a cada dia.
Publicado originalmente no Sítio de Maricota, em 30 de junho de 2006.
Acende uma fogueira no meu coração
Mas eu acho o São João um tempo mágico, que só quem é nordestino sabe o que significa.
Começa envolvendo os sentidos: cheiro de milho assado, pamonha e pé-de-moleque, bandeirinhas sendo penduradas aqui e acolá, música tocando em todo canto e eu com vontade de dançar em pleno supermercado.
Desde pequenininha, quando meu irmão de três anos enfiou a faca de serrar pão na minha canela porque não deixaram ele participar da debulha do milho da canjica, a idéia de que é uma festa coletiva se enraizou no meu coração.
Vejo símbolos. É a festa da colheita, da abundância, da fartura, que existe em todas as culturas desde tempos imemoriais. Junta a mãe Deméter com o pai Xangô, kawó kabiyèsílé!, o poder transformador do fogo, o calor, a regeneração, a fecundidade, a vida.
As comidas elaboradas são verdadeiras oferendas, se não aos deuses, mas à família a quem amamos.
As crianças enlouquecem com os fogos de artifício, e embora tenha medo e conheça os dados sobre os altos índices de acidentes, devo me confessar uma fascinada pela pirotecnia.
O friozinho convida a ficar junto, a dançar agarradinho esse forró nos iguala, nos funde. Já tive namoro começado por culpa desse encontro, da simbiose que a dança estabelece, e por essas e outras minha amiga Eva diz que é como transar em pé e recusa convites para forrozar. E quando rola uma quadrilha improvisada, volto a ser criança.
E a alegria é tanto maior quando experimento o indiferenciado, quando pego na mão de um desconhecido numa dança de roda, e me sinto fazendo parte de um todo muito maior do que eu possa imaginar.
Publicado originalmente no Sítio de Maricota, em 26 de junho de 2006.
1.9.06
Historinha adolescente
“Boa tarde, moça”, disse à mulher que atendeu. “É que o rapaz que mora aí me deu esse número, mas eu esqueci o nome dele”. “Ah, Marconi”, falou ela, sem a menor desconfiança. “Um momentinho que já vou chamar”. E foi. E ele atendeu. E eu, no maior desplante, depois de dez minutos de conversa – “oi, Marconi, tudo bem?” – contei a ele a história maluca inteira. Marconi tinha 17 anos e não sei se acreditou, mas claro que ficou curioso. Depois de mais uns dois telefonemas (minha amiga sempre sem querer falar com ele, morta de vergonha), marcamos de nos encontrarmos.Não lembro onde combinamos – se na Jan-Ju, a sorveteria do bairro onde tudo acontecia; se na praia; se no shopping; se no próprio prédio. Eu fui, como intérprete do casal. Minha amiga cheia de dedos, roxa, como se fosse morrer.
Marconi tinha espinhas, era gordinho, cara de bom rapaz, e mais eu não lembro agora. Não parecia com o rapaz do sonho e ela se desinteressou dele - que não chegou a se interessar por ela, mas botou logo o olho em mim.Este poderia ser o início de uma linda história de amor, mas Marconi, tadinho, não sabia por onde começar. Passou dias e dias me ensinando a jogar vinte-e-um, relancinho, todos os jogos do baralho. Nunca arriscou nem a pegar na minha mão. E eu, malvada que sou, aficcionada que sou por homens severgonhos (dá uma tese, longas histórias), aos poucos comecei a fugir do rapaz, de um jeito tão natural que até hoje não sei dizer como Marconi sumiu.Fico aqui pensando, se ao invés de telefonar, a gente não devia ter jogado no bicho...
Publicado originalmente no Sítio de Maricota, em 27 de maio de 2006.
Mignon
Às vezes daria qualquer coisa pra ter 1,60m, 40kg, calçar e vestir 36, e ser uma mocinha delicada em vez dessa coisa estrompa que vos fala, e que tem por principal característica o fato de ser grande e mesmo assim não caber em si. Eu ia ser loura, de olhos azuis, do tipo ninfa-transparente-a-ponto-de-quebrar, e me chamar Larissa. Larissa é meu alter-ego, meu desejo secreto de ser frágil e feminina, no que o feminino tem de mais estereotipado.
Em memória de um elefante
Delicadeza
Passei pela sala com a juba em crise, esse meu cabelo maluco que eu só desembaraço mal e mal quando lavo, e que freqüentemente fica parecendo um vespeiro. “Vem cá”, ele falou pra mim. E me fez sentar em frente dele, feito uma menininha. E pegou um troço pequenino, imprestável, e passou uns quinze minutos dedicado à tarefa inglória de desembaraçar ela, a moita, com aquela escovinha mísera. Quase que eu disse “não”, diante do presente inesperado que me fez sentir como se tivesse cinco anos. Depois, me entreguei à experiência inesquecível. Foi como uma bênção, carinho escorrendo em cada madeixa e fluindo através de duas mãos grandes, estabanadas e levíssimas - como se ele beijasse cada pedacinho de mim.
Publicada originalmente no Sítio de Maricota, em 09 de janeiro de 2006.
Mais um vexame
4.6.06
Banzo
Publicado originalmente no Sítio de Maricota, em 17 de novembro de 2005.
Angústia
Postado no Sítio de Maricota, em 03 de novembro de 2005.
5.1.06
Mariana "Rossi" - ou Meus Fãs Garçons - ou Caboco só desce com destilado
Um dos mais queridos se chama Pereira, e trabalha, ou trabalhava, no Garrafus (ô nome feio, mas dizem que tem história) – bar do lendário Sama, que fica bem pertinho da minha casa em Recife, e era um pouco minha casa, também. Pereira sempre abria o sorrisão quando me via, e perguntava: "o de sempre, Mari?" - e me trazia uma coca-light e um caldinho de feijão.Toda quinta eu batia ponto no Garrafus, por causa da Quinta do Jazz, evento promovido pelos queridos Evandro e Thelmo e freqüentado por gente linda como meu amigo Orlando. Meus últimos ‘eventos’ em Recife – aniversário, despedida – foram todos no Garrafus.
Eu só fui entender como Pereira se importava comigo no fim do ano passado, quando passei uns dias na terrinha e enlouqueci de alegria. Era aniversário de minha amiga Andreza e tomei sete (sete!) capiroscas de vodca. Aí Pereira se desesperou quando me viu lá, malemolente e cheia de falta de juízo nas idéias. "Mari, tá dirigindo?", perguntou na quarta ou quinta dose. Quando soube que não, trouxe mais duas e depois se negou a servir mais. Não adiantou chantagear - "Pereira, vossssscê é o garxom, vôdedar vosssscê pra Tonho (Tonho é o irmão e sócio de Sama), onde xxá se ffviu deixxxar de trager o que o cliente isssssstá pedindo?" Não teve argumento. Graças a isso, eu voltei pra casa cambaleando, me segurando nos postes, mas ainda consciente dos meus atos. Quer dizer, mais ou menos. Isso só aconteceu depois da bateria da escola de samba ter ido embora (o que não me impediu de requebrar mais um dez minutos, por inércia), de eu ter enchido o saco de Tonho pra tocar "I will survive", de eu ter sentado numa mesa com completos desconhecidos que portavam uma zabumba e um pandeiro e ter puxado, cantado e dançado toooooooodos os cocos e cirandas que meus neurônios em combustão conseguiram lembrar... Vergonha total, eu sei, mas enfim, nenhum cachorro lambeu minha boca e, ao que eu me lembre, ainda posso voltar no Garrafus sem maiores sofrimentos e sem risco de ser linchada...
Outro garçom meu amigo é Baixinho, pedaço de cearense de um metro e meio que trabalha no Sonho Lindo, um pé-sujo que fica embaixo do meu prédio. Abre o riso quando me vê, toda manhã, e me dá bom-dia. À noite, se for o caso, ele dá o alarme: “não come isso não”, sussurra, se eu resolver pedir algum salgado que já foi produzido há muito tempo e está adquirindo coloração duvidosa. Quando eu volto das baladas, larga qualquer cliente pra me vender água ou coca-cola (é notório, não gosto de cerveja). E um dia desses me deu a maior prova de amor: me chamou correndo da rua, “ei, ei!”, e enfiou um taco de bolo de chocolate na minha boca – “prova aí, vê se tá bom!”A Cinelândia, aqui no Rio, virou minha casa, graças a Duda e a Nininho, que me apresentaram ao Doradinho, que tem um espetinho legal e um banheiro pavoroso, onde as baratas morrem ao entrar (não sei se afogadas, não sei se pelo cheiro – e não sei como é que eu tenho coragem de dizer que gosto da comida de um lugar que tem um banheiro desses, mas gosto). Lá tem seu Amaro, conterrâneo que só me chama de ‘princesa’ e grita de longe "já chegaram" ou "não tão aqui ainda não", pra avisar da presença ou ausência de meus pariceiros. Quando eu não vou, pergunta por mim. E já aprendeu a não me servir mais de duas doses de gengibre por noite (é um troço à base de cachaça que desce quente; a primeira dose torna a fala mole, a segunda deixa o nariz dormente, e a terceira me faz querer ficar apostando coisas com meus amigos desesperados – quer ver como eu vou naquela mesa, dizer àquele cara que ele é gostoso?, quer ver como eu vou dançar conga-la-conga em cima da tampa daquele bueiro? – ou então entrar em crise existencial – ninguém me dá atenção, ninguém gosta de mim...).
Esses são os que me protegem da birita. Porque há os que me ajudam a cair na esparrela. E com a minha cara de pau, que tá se tornando cada dia mais notória, venho me tornando uma expert em conseguir bebida grátis. Curioso é que elas sempre têm nomes exóticos: a batida de vodca com leite condensado e licor de banana do Teatro Odisséia se chama King Kong, a mistura de vodca com limonada e licor de menta do Negro Gato se chama Diabo Verde. A primeira eu tomei no show da Comadre Fulozinha, no ano passado. Fui pedindo ‘complemento’ de vodca, na maior cara dura, e o garçom achou tão engraçado que ia pondo gelo e vodca, vodca e gelo, e no fim eu não sentia mais gosto nenhum de banana no negócio – mas também não sentia muitas outras coisas, incluindo o chão que pisava, mas abafa a história.
A segunda eu tomei dia 21 de outubro, numa festa de minha amiga
Eu posso!
Eu mereço!
(Publicado originalmente no Sítio de Maricota, em 03 de novembro de 2005)
20.12.05
Abraço inesquecível
É que olhando pra essa carinha da foto, eu lembrei de uma das nossas brincadeiras preferidas, que se chamava 'pai e mãe'. Eu era a mãe, ele era o pai, meu irmão Gabriel e Mônica, a irmã dele, eram os filhos. Não sei por que motivo Guilherme, o irmão Lithg mais velho, não participava da "família", já que ele sempre integrava as brincadeiras; acho que ela não acontecia todo dia, nem todo tempo, e talvez nesse período ele tenha ficado de recuperação no colégio, por exemplo. Ou estivesse com papeira (caxumba) ou alguma outra mazela normal de criança.
'Pai e mãe' era assim: a gente pegava um lençol grandão, forrava no oitão da minha casa, e deitava todo mundo juntinho. Eu tinha uns oito anos e não fazia a menor idéia de como a abelhinha polinizava as flores e outras histórias que depois li no livro De onde vêm os bebês. 'Pai e mãe' não era brincadeira de médico: a gente não estava interessado nas diferenças e sensações corpóreas. O bom era só deitar a cabeça no braço de Miltinho e ficar quietinha olhando um sabiá grandão que toda tarde vinha cantar, no pé de manga rosa.
Era uma sensação muito boa, de estar protegida e acarinhada. Tão doce, que eu guardo a lembrança até hoje. Eu, que não tive contato semelhante com meu próprio pai, devo ter valorizado muito mais esses momentos que Miltinho - que era mais novo que eu alguns meses, meio estabanado e maluco, escrevedor de poesia e inventor de brincadeiras e travessuras terríveis.
Mesmo tendo passado mais de 20 anos sem ter o menor contato com eles, tenho pelos três irmãos Lithg um carinho enorme. Mas o abraço de Miltinho o faz especial, pro resto da vida.
Gracinha
Hoje de manhã, cinco dias depois do pedido inicial, telefona Eduardo, o técnico local. “Tudo bom, Mariana?” (é, ele já me conhece...) Me pede pra habilitar o WinVnc, um programinha que permite que ele visualize à distância meu desktop, que está em rede com a máquina dele, em algum lugar deste prédio enorme.
Nessa hora toca o celular, eu atendo, deixo ele trabalhando sozinho... Aí vejo o ícone do Aurélio abrindo, pego o telefone e agradeço. Quando vou fechar o programa, tá lá o verbete aberto, piscando diante dos meus olhos...
Paciência[Do lat. patientia.]
S. f.1. Qualidade de paciente.
2. Virtude que consiste em suportar as dores, incômodos, infortúnios, etc., sem queixas e com resignação.
3. Perseverança tranqüila.
4. Conformação abúlica e indolente; pachorra.
5. Entretenimento que consiste em reunir as peças separadas de um mosaico para formar uma figura.
6. Passatempo para uma só pessoa, no qual se fazem diferentes combinações com cartas de baralho, seguindo determinadas regras.
7. Bot. Planta da família das poligonáceas (Rumex patientia).
(Postado originalmente no Sítio de Maricota, em 06 de outubro de 2005)