Uma vez, eu tinha 13 anos e minha mãe me mandou ir na venda do seu Domingues, lá em Candeias, comprar linha. Eu ia sempre muito puta da vida. O bar era um saco, cheio de pinguços esperando a vida passar. E eu lá, novinha, tímida, tinha que adentrar o ambiente e perguntar se tinha linha Corrente preta, “e só serve de algodão”. O atendente era homossexual, um travesti meio gordinho e bundudo chamado Filó, que usava um cabelinho feioso espichado à força e que era uma simpatia. Mas isso eu só soube depois.
Porque da primeira vez que fui lá na bodeguinha do Domingues, passei rápido e corri pro balcão e virei pra atendente e falei: “Moça, por favor, me dá um carretel de linha Corrente preta”. Era Filó. Ela largou todo o resto, todos os fregueses que tinham primazia no atendimento, o sorriso comendo o rosto, e veio me atender.
Claro que na hora eu vi que ela não era uma moça no conceito estrito da palavra. Mas Filó ficou tão contente, que na hora de ir embora, de linha na mão, eu olhei bem no olho dela – ELA sim, a alma de Filó era de mulher, pô! – e disse em alto e bom som: “Obrigada, MOÇA”. Com isso ela me amou pra sempre, e eu fiquei achando graça de ver como é fácil fazer um ser humano feliz.
Pena que ela não foi feliz por muito tempo: foi assassinada por um maluco homofóbico, que em menos de um mês matou três ‘filós’ na região. Como Filó era pobre, preto e bicha, tenho certeza de que até hoje ninguém descobriu o culpado.
Outra vez, eu era mais velhinha, tinha o que?, uns 19 anos. Estudava jornalismo. Estava voltando do centro do Recife, de uma matéria furada de um concurso de miss qualquer coisa que fui fazer num domingo à noite. Claro que a revista furreca onde eu tinha descolado o free-lance não me deu dinheiro pro táxi. E como eu morava longe e no domingo os ônibus acabavam mais cedo, acabei ficando isolada, sozinha, no centro da cidade.
Era mais de uma da manhã, e o maldito ônibus só passava às três. Me empoleirei na grade da parada do buzu "Candeias" velho de guerra, suspirei fundo e fiquei lá, quietinha, morrendo de sono. Aí, chegou uma puta.
Puta sim, vestida pra guerra. Feia, derrubada, a cara marcada com um talho de gilete. Daquelas bem esquisitas que fazem ponto na rua da Palma, no centro do Recife. “Boa noite, MOÇA”, eu falei pra ela. E ri.
Ela riu de volta, reclamou desses ônibus que demoram, e ficou calada. Daqui a pouco chegou um cara meio mal encarado, rondando. “Sai daqui, fulano, ela tá comigo”, rosnou a puta, mostrando a gilete pra ele. E ficou lá, tomando conta de mim feito um cão de guarda, esperando meu ônibus chegar. Mais de uma hora.
Adoro gente. De qualquer cor, de qualquer sexo, de qualquer classe social, de qualquer profissão. Gente é intransitivo. A única classificação a ser feita é a do caráter: ou presta, ou não presta!
Ponto.
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