Era uma vez, num país muito distante, um poderoso califa que tinha uma filha muito bonita, muito prendada e muito virtuosa.
Em 1857, o farmacêutico Johann Merck descobriu uma droga inovadora.
Existe um tipo de proteína que ajuda o organismo a processar toda a gordura que ingerimos.
Mas nenhuma delas se chamava Nagicina...
A primeira Nagicina nasceu em 23 de março de 1926. A segunda Nagicina, batizada como Nagicina Filha e mais conhecida como Cininha, nasceu em 23 de setembro de 1945. A terceira Nagicina felizmente foi abortada antes de se tornar Nagicina: Cininha tinha horror do próprio nome e preferiu achar algo mais simples, sonoro e português para batizar a primogênita, interrompendo para sempre a dinastia.
Mariana nasceu às 9h da manhã de uma quarta-feira, no dia 25 de abril de 1973. O médico havia calculado o parto para o dia 31 de março, para horror de sua mãe que era militante de esquerda, conheceu o pai da filha numa passeata e até tinha participado de um “treinamento de guerrilha” nadando num braço sujo do Tietê que atravessava a USP, onde a moça estudava Letras Orientais e só não terminou o curso porque o professor de japonês viajou, o de russo foi preso e o de árabe desistiu.
Reza a lenda que Mariana nasceu de olhos abertos, unhas compridas e não deixou quase nada da placenta para contar história.
Para compensar o atraso, ela falou com seis meses, aprendeu a roer as unhas assim que os dentes nasceram e nunca deixou de estar atenta ao mundo que a rodeia.
Aos cinco anos, admitiu à mãe que já sabia ler, só para ganhar uma boneca Emília.
A infância toda ela morou em casas, brigando feito cão e gato com o irmão Gabriel, um ano mais novo.
Gostava de tomar banho de chuva; de brincar de monstro de lama pelada no quintal; de plantar cenoura e cebolinha num canteiro de horta; de construir uma mesma cidade imaginária chamada Naim que sempre terminava soterrada e matando para sempre vários bonequinhos de plástico; de fingir que era locutora de rádio tocando Carequinha, Arca de Noé e Plunct Plact Zum numa radiola laranja e subindo na janela para dizer que era um palco; de dançar um sambão de roda de um disco de novela onde também tinha a música Gabriela, especialmente para aporrinhar o irmão; de comer geléia de mocotó; de ler, escrever e cantar; e de enganar o pobre do irmão, como quando dizia que eram tomates os caquis importados que a avó trazia de vez em quando numa caixinha bonita e que hoje são as frutas que menos acha interessantes no mundo.
Ela não gostava de ir para a escola porque estava dois anos adiantada e as outras crianças a chamavam de cdf só porque ficava lendo Monteiro Lobato na biblioteca, na hora do recreio; de comer verdura, especialmente o maldito tomate; de quando o irmão pegava o diário dela escondido e mostrava para os primos e vizinhos; de ser obrigada a fazer natação com o irmão numa turma de meninos e de fazer ginástica com a avó numa turma de velhas, quando o que queria e nunca fez foi dançar balé.
Mariana cresceu rápido. Sempre pareceu ter uns quatro anos mais do que tinha e a mãe a obrigava a ser uma moça quando ainda era uma pirralha. Aos oito, parecia ter doze. Aos doze, parecia ter quinze. Tem 1,73m desde os treze anos. Os meninos não dançavam com ela nos assustados porque não queriam ser conhecidos como cheira-peito.
O único menino alto que tinha no prédio onde ela viveu dos 12 aos 23 anos chamava-se Fred e era a fim dela, e ela dele. Mas eles ficaram três anos sem se falar porque ele teve raiva dela, que não quis beijá-lo na boca durante uma brincadeira de pêra-uva-maçã.
Fred rogou-lhe uma praga tal que ela só deu o primeiro beijo aos 16 anos, e teve o primeiro namorado (que não foi ele) aos 17. Desde então, ela tem tentado tirar um pouco o atraso.
Aos 16, entrou no curso de jornalismo da UFPE e surtou. Pensou consigo: agora eu vou poder ser quem eu quiser, todo mundo vai ser novato que nem eu (ela tinha esse trauma da época de escola).
Não se sabe porque, mas desde então a língua destravou junto com o juízo e ao invés de passar o recreio estudando, ela passou a cabular aulas para ir brincar.
Levou pau em duas disciplinas pela primeira vez na vida, experiência que considerou extasiante e proporcionou que tivesse DUAS turmas em vez de uma só: foi adotada pela galera de radialismo.
Formou-se os 21 anos, em 1994. De 1997 a 2000, fez mestrado. Em 2005, entrou no doutorado. E quer continuar fazendo pesquisa, porque querendo ou não, é cdf mesmo como os coleguinhas de jardim a acusavam.
Em 1997, arranjou um namarido com quem viveu por quase sete anos, até junho de 2003. Foi o relacionamento mais longo e duradouro que teve.
Não namora mais com ele, mas continua namorando com o sogro, a sogra e três cunhados, quando arruma uma brechinha.
É tarada por chocolate e banana, odeia sarapatel e fígado, torce pelo cordão vermelho do pastoril mas sua cor preferida é azul. Gosta de cachorros, velhinhos e crianças. Dança qualquer coisa, qualquer barulhinho que batam na lata ela tá lá remexendo – não que saiba dançar bem, mas é que virou uma tímida muito afoita depois de velha.
*Postada originalmente no Sítio de Maricota, em 01 de abril de 2005.
Um comentário:
Lembro de você na época dessa foto!!
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